16/03/2014
Neste ano, no Ensino Médio/Educação de Surdos, no Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, estou trabalhando no 3º Ano a Geometria dos Sólidos. A proposta é integrar esse trabalho ao projeto da escola sobre a COPA MUNDIAL que ocorre entre Junho e Julho. Inicialmente, pensei em trabalhar as figuras planas, suas propriedades e diferenças. Os surdos precisam vivenciar concretamente as propriedades de cada figura, diferenciando-as e conceituando suas propriedades. Pensei então,  em fazer algumas figuras básicas para iniciar. Já tinha algumas construídas com palitos de churrasquinhos e garrote, também algumas com dobraduras e outras figuras feitas de papel de jornal amassado e dissolvidos em água e posteriormente colocados em caixas de remédios que funcionam como moldes. É só deixar secar que ficam uns lindos sólidos bem firmes.

Resolvi, fazer então algumas figuras planas. Fiz o quadrado, o retângulo e  o triângulo. Os alunos surdos devem perceber as propriedades de cada figura e suas diferenças. Isso tem que ser bem demonstrado para os surdos, acredito que usando material concreto fica visualmente mais claro para eles.

Abaixo eu construindo algumas figuras com palitos de churrasquinho e garrote.

17/03/2014

Em sala de aula demostrei as figuras uma a uma. Primeiro mostrei o quadrado. Perguntei que figura era essa, que sinal tinha, e questionei porque era um quadrado. Movimentei a figura de um lado para outro mostrando para eles a mobilidade da figura, a sua fragilidade. Mas não entrei em detalhes, apenas queria que eles notassem isso. Depois mostrei o retângulo, perguntei seu sinal e se ele era igual ao quadrado, no que se diferenciava do quadrado, que tipo de ângulo tinha. Tive que sobrepor a figura em algumas figuras próprias da sala para lembrar o que é um ângulo de 90º, sua utilidade e importância. Também balancei a figura para mostrar sua fragilidade. Coloquei o quadrado e o retângulo um ao lado do outro e balancei os dois para mostrar sua mobilidade e suas fragilidades.
Quadrado
Retângulo

Logo após, mostrei a figura do triângulo. Conversamos sobre ele. Os tipos de triângulos: equilátero, isósceles, escalenos e os triângulos retângulos. Mostrei cada um deles com palitos de churrasquinho e garrote. Foi então, que tentei balançar um dos triângulos e eles perceberam que não se mexia. Peguei os demais e também fiz o mesmo procedimento, e eles repararam que os triângulos não tinham o movimento que o quadrado e o retângulo tinham. Perguntei aos surdos porque isso acontecia. Tentaram me explicar mas não foram muito convincentes. Dei as figuras para que eles percebessem tatilmente a rigidez do triângulo e a fragilidade do quadrado e do retângulo.  Eles testaram cada figura novamente: o quadrado, o retângulo e os vários tipos de triângulos. Então, expliquei que o triângulo é a figura mais rígida que existe. E que por essa propriedade característica do triângulo faz com que ele seja bastante usado nas construções e muito utilizado na praticidade de nosso dia a dia. Foi nesse momento que mostrei um quadrado e um retângulo com uma de suas diagonais definidas com outro palito de churrasco. Balancei a figura e conseguiram entender que essa diagonal dividiu o quadrado e o retângulo em dois triângulos e por isso, eles ficaram mais rígidos.

Triângulo Equilátero
 
Triângulo Isósceles
 
Triângulo Escaleno
 
Triângulo Retângulo
Quadrado com uma de suas diagonais mostrando sua “dureza” devido aos triângulos formados pela diagonal.
 
Retângulo com uma de suas diagonais mostrando sua “dureza” devido aos triângulos formados pela diagonal.
Vídeo Mostrando a Fragilidade das Figuras

Foram mostradas as fragilidades em outras figuras, para que os alunos esclarecessem bem suas dúvidas e percebessem o que se estava discutindo. Com o uso do material, se percebeu uma rápida compreensão e um entendimento claro da importância da “dureza” do triângulo no cotidiano e também ficou claro da sua grande vantagem na possibilidade de seu uso.

 Trapézio
 Pentágono
A intenção nesta figura era mostrar que quanto mais lados iguais uma figura recebe mais arredondada vai ficando podendo chegar a formar um círculo (sem lados) – neste caso também foi mostrada o conceito e a diferença entre circunferência e círculo: foi uma maneira prática dos alunos surdos compreenderem conceitos geométricos por eles nunca vivenciados concretamente na escola.

Mostrei também que quanto mais triângulos colocarmos nas figuras mais rígida ela fica. Observe:

20140324_193138 20140324_193141 20140324_193144

Levei o computador e mostrei algumas imagens que demonstram a aplicabilidade dessa propriedade dos triângulos em nosso cotidiano assim concretizando esse conceito.

24/03/2014
Neste dia levei papel pardo, fita métrica, régua e pincel atômico. Devido a forte chuva nessa noite, havia apenas dois alunos surdos na sala de aula. Propus para eles a construção de um quadrado, mas agora não com palitos de churrasquinho e sim, usando o papel pardo. Esse quadrado deveria ter 1 metro de lado. Confusos, os alunos construíram o quadrado com minha ajuda. Fiquei de retomar a construção feita na próxima aula com todos os alunos presentes.

31/03/2014 e 07/04/2014
Nestes dois dias de encontro pedi para eles fazerem algumas figuras usando os palitos de churrasco e garrote. Cada um fez a figura que quis, sendo que alguns destacaram algumas diagonais para deixar a figura mais rígida. Retomei  no dia 07/04 o quadrado feito de papel pardo, pois no dia da construção não estavam todos os alunos. Falei da importância do quadrado e o que significava esse quadrado contendo 1 m de largura e 1 m de comprimento (1 m x 1 m). Interroguei o grupo para saber se tinham alguma noção do que significava a palavra ÁREA  e como encontrávamos, por exemplo, a ÁREA da sala de aula usando aquele quadrado. Alguns alunos ficaram com dúvidas, deu para perceber que não relacionavam ou tinham tido pouco ou nenhum contato mais concreto com esse assunto. Não estou querendo dizer que não tenham estudado ÁREAS, mas acredito que tenham visto mais abstratamente, dificultando a relação teoria/prática/vivências. Como um deles trabalha na construção de móveis em MDF, me ajudou muito na explicação. Eu sempre que posso me aproveito dos saberes que algum aluno possa ter, pois me ajuda no aprofundamento da explicação. 

Explico melhor: sou professor ouvinte e domino a Língua de Sinais, mas acredito que um surdo usando sua língua mãe, facilita muito a compreensão do que se está falando. Através de algum exemplo, o aluno surdo que dominava o assunto, ajudo muito nas experiências vivenciadas por ele e relacionando-a com o conteúdo abordado. Foi o que aconteceu. Esse aluno, trabalha diretamente com madeira, cortando, encontrando o valor dos lados das placas de madeira, seus perímetros, áreas, etc. Foi com esses saberes que junto com o aluno explicamos então, como encontrar a ÁREA  da sala de aula. Afastei algumas classes e cadeiras e fui colocando o quadrado de papel pardo de 1 m x 1 m lado a lado, preenchendo o chão da sala. Fomos contando quantos quadrados desses cabiam na sala. Fomos para o quadro e representamos numericamente o que encontramos. Levei fita métrica e medimos o comprimento da sala e sua largura. Representamos também isso numericamente no quadro. 

Mostrei que se multiplicássemos esses dois valores iriamos encontrar também quantos quadrados cabiam na sala. Numericamente, encontramos valores bem aproximados, até porque a medição foi um pouco “grosseira”. O aluno surdo que estava me ajudando inclusive, fez referência as lajotas que costumamos comprar em lojas de construção para azulejar pisos ou paredes de nossa casa ou em outros lugares. Foi bem cansativo toda essa explicação, demoramos muito, explicando, voltando a explicar, dando muitos exemplos, relacionando muito com o cotidiano deles. Nesses exemplos então, aproveitamos para mostrar o que significava a escrita . E relacionamos com o quadrado feito de papel pardo: 1 m x 1 m = 1 m². Confesso que me senti agraciado e recompensado por tanto esforço na explicação e agradeci ao aluno surdo pela ajuda. Acho super válido aproveitar o conhecimento e o domínio da língua para aprofundar conceitos que, muitas vezes, ficam muito abstratos e sem compreensão. 

Depois disso, reforcei a utilidade das figuras por eles construídas. Tive a ideia de sobrepor as figuras feitas nas janelas da sala, na classe, na porta, nas paredes e nos murais e em todas as coisas que pudéssemos relacionar, para que notassem a presença constante delas em nosso dia a dia. Faço isso porque temos surdos que tem outros comprometimentos e precisamos reforçar bastante para que haja uma compreensão e um entendimento no que estamos falando e principalmente entender o conceito matemático envolvido.  

14/04/2014

Primeiramente, coloquei as figuras feitas com palitos de churrasquinho e retomei as propriedades de cada figura. Levei para sala de aula uma sacola de caixas de remédios, de perfumes e etc. Peguei uma das caixas e coloquei na minha mesa. Era uma caixa de pasta de dente. Posicionei a caixa conforme a posição da sala de aula e expliquei que a caixa representaria nossa sala. Destaquei as paredes da sala referenciando-os aos lados da caixa. 

Fiz alguns questionamentos: A parede que tem as janelas corresponde a que lado da caixa? A parede que está o mural azul corresponde a que lado da caixa? O teto da sala de aula corresponde a que face da caixa? E o chão da sala de aula? Com isso consegui que eles transportassem os lados da sala (paredes, teto e chão) para as faces da caixa que estava representando a sala. Isso facilitou muito o entendimento e a inter-relação entre concreto e o abstrato. Ajudando na conceituação teórica do conteúdo. 
Sacola com caixas para serem utilizadas em cálculos de área.
 
Depois de ter feito toda essa relação: sala de aula (paredes, teto e chão) com a caixa de pasta de dente e também lembrando tudo que discutimos sobre o metro quadrado, pedi então que planificassem a caixa. Propus que medissem cada lado da caixa  usando a régua. Eles registraram as medidas encontradas em todo o contorno da caixa. Para cada um entreguei uma caixa diferente para cada um evitando que copiassem um do outro e para que a atividade ficasse mais desafiadora. 
 
Feito isso, pedi que eles nomeassem cada parte da caixa (fazendo relação a sala de aula: cada parede medida com a nomenclatura: A1, A2, A3, A4, A5, A6). Pedi então, que calculassem a ÁREA de cada “parte” da caixa, isto é, de cada parede que representava a sala de aula.
 
Neste momento, um aluno finalizou a proposta inicial, por isso pedi que também destacasse a soma total de todas as ÁREAS encontrada em sua caixa.

 

Aluno explicando para sua colega como medir sua caixa, nomeá-la e encontrar a área de cada parte da caixa.
 
26/05/2014
Retornando ao trabalho, pois estive afastado em decorrência de duas cirurgias, hoje alguns alunos surdos que não tinham ainda colado sua caixinha na folha de ofício e outros que ainda não tinham medido o contorno delas reinicializaram a atividade. Tive a ajuda de um surdo para explicar os conceitos e as relações feitas caixa/sala para alunos que não estavam presente no dia da explanação da atividade proposta.
 
 
 
02/06/2014
Hoje trabalhamos na finalização dos cálculos das áreas de cada face das caixas recicladas que os alunos escolheram. Quando finalizaram, perguntei o que eles entendiam por VOLUME. Como são alunos surdos queria saber que conceito eles tinham dessa palavra. Falo em conceito, no sentido de saber o que significava concretamente para eles esse termo matemático. Para minha surpresa, por isso tem que investigar, eles falaram que “volume” era aumentar o som do aparelho de TV no controle remoto, volume do aparelho auditivo, etc. Foi ai, que percebi que precisava conceituar VOLUME para o que estávamos aprendendo. Não deixei de dizer que também isso era “volume”, mas que essa palavra tinha um outro significado.  Peguei uma caixa de pasta de dente montada e papel picado. Enchi a caixa com o papel picado e demonstrei que o papel estava ocupando um espaço dentro da caixa. Tirei um sólido de acrílico e demonstrei a mesma coisa. Relacionei isso ao cotidiano deles. Dei exemplos da água dentro de uma piscina ou quando colocamos água ou areia dentro de um balde. Mostrei também que nós também ocupamos um espaço dentro da sala de aula. Tentei ser o mais claro possível. Depois de vários exemplos, eles entenderam o significado relacionando-o ao cotidiano deles. Percebi então, que eles sabiam o que era, mas não relacionavam o que conheciam a palavra VOLUME. A relação que tinham com esse termo “volume” estava ligada a intensidade quando desejamos diminuir ou aumentar a quantidade de som existente em um ambiente.
 
Logo após essa discussão, conceituei então o que era VOLUME. Descrevi a fórmula para encontrar o VOLUME:
 
V = a x b x c
 
Nesse momento, lembrei que precisava explicar outra coisa. A unidade que representa essa medida. Para isso retomei novamente a caixa planificada. Lembrei que para medir os lados da caixa usamos uma régua. Essa régua está divida em cm. Sempre que quisermos medir comprimento usamos essa unidade ou uma inferior ou superior, conforme a necessidade. As mais comuns é o metro representado por m, o centímetro representado por cm, o quilômetro representado por km, e assim por diante. Na área, por ser uma quantidade definida por um espaço bidimensional ou de superfície, geralmente usamos o metro quadrado representado por m². Mas que também podemos usar outras medidas como por exemplo, o km². etc. Questionei que para eles encontrarem o VOLUME da caixa que eles haviam colado na folha de ofício, eles tiveram que multiplicar sua altura, comprimento e largura. A figura era tridimensional, portanto, deveríamos usar o centímetro cúbico representado por cm³. Em outros casos podemos usar o m³ ou o mm³, etc.
 
Finalizamos a aula de hoje verificando os cálculos encontrados e esclarecendo dúvidas que tenham surgido no decorrer de cada conceituação feita. Retomando a todo momento a diversidade conceitual aprendida para esclarecer e diferenciar esses conceitos.

 

09/06/2014

Finalizando o trabalho, os alunos surdos entenderam o que era a diagonal de um bloco retangular e de um cubo. Utilizamos o material que a escola possui no laboratório de matemática. Material transparente, de acrílico na qual a diagonal está em destaque em outra cor (vermelho). Isso facilita muito para os alunos surdos. A visualização ajuda a compreender melhor os conceitos formulados na teoria. Aproveitamos o material, medimos o comprimento das arestas utilizando uma régua e utilizando-se dos conhecimentos adquiridos, eles calcularam o comprimento da diagonal, do bloco retangular e do cubo. Foi um trabalho bastante proveitoso, apesar do meu afastamento para realizar cirurgia, os conceitos foram bem trabalhos e desenvolvidos na teoria e na prática, oportunizando aos alunos surdos a compreensão e a concreticidade do conteúdo desenvolvido na praticidade de seu dia a dia.

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 Visualizando a diagonal do bloco retangular.

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 Visualizando a diagonal do cubo. 

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Comparando a diagonal do bloco retangular e do cubo.