SURDOS: O INÍCIO

          A viagem aconteceu! Eu não estava acreditando. Finalmente, eu iria ver minha grande amiga Finita. Foi nessa emoção que aconteceu o início do ano de 2000. Depois de 26 anos separados eu iria me encontrar com ela. Quando eu tinha 11 anos a gente se separou. Diante da proposta da Espanha em custear a viagem de retorno de seus emigrantes, nós nos separamos. Lembro até hoje, eu pendurado no portão do porto de Montevidéu vendo o navio partir, chorei muito. Ela era minha melhor amiga. Um ano depois, eu também partiria para o Brasil. Especificamente para a cidade de Pelotas. Ficamos 26 anos nos comunicando por carta ou pelo telefone, mas sempre com a vontade de um dia nos revermos. Foi quando no meio do ano de 1999 recebi um telefonema dela propondo que eu fosse para a Espanha, aceitei com a maior alegria. Passei o mês de fevereiro de 2000 na Espanha relembrando junto com ela nossa infância. Vivi momentos inesquecíveis do passado e do presente.
          Foi assim, envolvido nesse sentimento, que entrei o ano letivo de 2000. Foi assim que abracei o início do ano letivo no Curso Normal Formação nos Anos Inicias do Colégio Municipal Pelotense – CMP. Foi assim que abracei a primeira turma de inclusão dos surdos do CMP. Nos dois primeiros anos os surdos foram incluídos juntos com os ouvintes, mas nos dois últimos anos conseguimos separar a turma para podermos trabalhar as disciplinas de didática com suas especificidades.
          Queria deixar registrado que imediatamente ao receber os surdos fiquei um pouco frustrado em não poder me comunicar com eles. Isso me levou a fazer cursos de Libras: o básico em dezembro de 2000, o intermediário em outubro de 2001, e de intérprete em novembro de 2004. Em momento algum fiquei esperando por alguma atitude política/governamental em me capacitar. Foi isso que me ajudou e me ajuda até hoje com os surdos: CONVERSAR COM ELES.
          Me apropriei da Língua Brasileira de Sinais, a qual me ajudou muito a compreender a cultura, a identidade e as marcas surdas. Participava ativamente da ASP – Associação dos Surdos de Pelotas, fundada em 25 de julho de 1999. Participava das reuniões de intérpretes e em encontros e congressos por todo o Rio Grande do Sul e em outros estados. Visitei inúmeras escolas para surdos. Foi assim que comecei a filmar e a fotografar muitos momentos importantes para a comunidade surda. Queria registar já naquela época o que estava surgindo em sentido pedagógico. Vendo que precisava registrar visualmente uma pedagogia que estava sendo construída, pensada, discutida. E que eu pensava que seria de grande importância na construção de uma pedagogia teórica/prática/metodológica na formação de profissionais que poderiam vir a ser professores. Queria formar uma videoteca de pedagogia surda. Até, para eles mesmos olharem, criticarem, reverem ações pedagógicas feitas, e analisarem a veracidade de tais ações fundamentadas em teorias mais concretizadas e teorizadas numa futura graduação como professores.
          Queria sem citar nomes agradecer do fundo do meu coração, às direções das escolas envolvidas, a todos os professores, gestores, aos intérpretes e às universidades que se envolveram e trabalharam conosco para a nossa formação, aos pais e familiares e principalmente a TODOS OS SURDOS. Muito, muito obrigado à todos!!!!
          Em 2003 um outro grupo de professores, uma outra escola se envolvia na Educação de Surdos. Ingressavam surdos no ensino médio na Escola Técnica Estadual João XXIII. Não estou fazendo um relato minucioso historicamente. Apenas registros que podem ficar mais detalhados mais adiante. Eu era também professor nessa escola. Por esse motivo, alguns registro filmados e fotografados serão divulgados por dentro dessa trajetória.
          Nessa escola, os professores somaram-se a cursos de perfeiçoamentos junto com o CMP. Somaram-se também, inevitavelmente, à luta da comunidade surda por uma educação e reconhecimento do sujeito surdo, com identidade, cultura e detento de uma Língua própria que o identifica. Nessa escola, os alunos eram atendidos com turmas exclusivamente de surdos. A promessa da escola era ter esses alunos apenas por três anos, coisa que o grupo de professores não entendia bem assim. O grupo começou muito empolgado, unido, realizávamos bastante trabalhos interdisciplinares, tinham inclusive horário de reunião específica para tratar de questões pedagógicas relativas aos surdos. No CMP também tinham essas reuniões, foram conquistas importantes na caminhada pedagógica. Essas conquistas sempre conseguidas com muito sacrifício…. a educação é assim, né?
          O que muito marcou, como falei, na Escola João XXIII, foram os trabalhos interdisciplinares e principalmente os trabalhos focados no teatro. O teatro surdo da escola foi um dos ícones de estímulo para os alunos surdos. Se empolgavam muito, pesquisavam sobre o assunto abordado. Participavam intensamente nos ensaios. Levavam muito o teatro a sério. Naquela época recordo que nas outras escolas ocorreram tentativas de realizar teatro com eles, mas fracassaram. Na Escola João XXIII, pelo contrário, os surdos adoravam e se empenhavam muito na atividade. A profa. de Português era uma das responsáveis pelo teatro da escola. Mas alguns professores também se envolviam e ajudavam na confecção de materiais e na organização do evento. Inclusive os intérpretes da escola que participavam ativamente de tudo. Falando nisso, os intérpretes das duas escola foram incansáveis no companherismo, tanto dos professores como dos alunos surdos.
          Em 2009, fomos para o Instituto Estadual de Educação Assis Brasil – IEEAB. Outro ambiente, outros desafios e obstáculos para enfrentar. Tínhamos passado por inúmeros problemas na escola anterior. Na nova escola (IEEAB), muito receptiva, salas de aulas amplas e com as promessas de uma educação de surdos mais comprometida, mais atuante e participativa, tanto dos professores quanto da direção. No começo o grupo de professores continuou unido e trabalhando com projetos interdisciplinares e dando continuidade ao teatro que tanto encantava os surdos e os faziam participar empolgadamente na construção das histórias e nos debates sobre a temática que o teatro abordava, dando sustentação teórica e interdisciplinar ao trabalho. Apesar de alguns desgastes na caminhada, o grupo, a coordenação e a direção da escola, estão hoje desenvolvendo projetos que irão envolver a escola como um todo na educação de surdos. Mais agora que temos alunos surdos incluídos juntos com ouvintes no Cursos Normal no turno da tarde. Um novo desafio posto na escola e principalmente ao Curso Normal.
          Aos poucos vou registrando esses momentos por aqui também. Tentarei registrar as produções pedagógicas, as abordagens metodológicas e os eventos em que eles se envolverem. De forma que esses registros possam ajudar de alguma maneira, na construção pedagógica, no aprofundamento teórico reflexivo de suas práticas, tanto para os surdos como para os professores. Outras trajetórias anteriores também serão divulgadas e detalhadas aqui, pois como falei, isso não é uma descrição minuciosa da história surda das três escolas da rede pública que eu lecionei e tive contato com os surdos. São apenas registros, mas que acredito que sejam importantes nessa caminhada.